domingo, 15 de junho de 2008

CORRENTES LITERÁRIAS

ESTÉTICA DA RECEPÇÃO (Rezeptionsästhetik / READER-RESPONSE CRITICISM)

Escola de teoria literária identificada na era pós-estruturalista, a partir dos finais da década de 1960, em primeiro lugar na Alemanha e mais tarde nos Estados Unidos, tendo em comum a defesa da soberania do leitor na recepção crítica da obra de arte literária. Na Alemanha, tomou o nome de Rezeptionästhetik; no mundo anglo-americano, vingou a expressão reader-response criticism; em português, por força da dificuldade de tradução literal da expressão inglesa, tem-se preferido a tradução estrita do original alemão.

Na origem, foi um grupo de críticos da Universidade de Konstanz, que começou por divulgar as suas teses na revista Poetik und Hermeneutik, a partir de 1964. Numa época em que Hans-Georg Gadamer desenha um novo rosto para a hermenêutica, com Wahrheit und Methode (1960), uma justaposição chama de imediato a atenção para o facto de, para uma estética da recepção do leitor, as questões do sentido e da interpretação textual dos modelos hermenêuticos serem tão indispensáveis como as questões linguísticas e formais. Ao contrário da reader-response criticism, que é constituída por críticos mais ao menos independentes (Normand Holland, Stanley Fish, David Bleich, Michael Riffaterre, Jonathan Culler), a estética da recepção reúne maior consenso entre os seus seguidores. Embora Wolfang Iser seja talvez o mais conhecido membro desta escola fora do seu contexto alemão, Hans Robert Jauss, discípulo da hermenêutica de Gadamer, é o mais inflexível dos críticos da estética da recepção. No seu ensaio nuclear, “A História Literária como um Desafio [Provokation] à Teoria da Literatura” (1970; traduzido para português com o título A Literatura como Provocação - História da Literatura como Provocação Literária, trad. de Teresa Cruz, Vega, Lisboa, 1993), procurou ultrapassar os dogmas marxistas e formalistas que não privilegiam o leitor no acto interpretativo do texto literário. Qualquer obra de arte literária só será efectiva, só será re-criada ou “concretizada”, quando o leitor a legitimar como tal, relegando para plano secundário o trabalho do autor e o próprio texto criado. Para isso, é necessário descobrir qual o “horizonte de expectativas” que envolve essa obra, pois todos os leitores investem certas expectativas nos textos que lêem em virtude de estarem condicionados por outras leituras já realizadas, sobretudo se pertencerem ao mesmo género literário. A história da literatura como “provocação literária” é uma reacção contra a limitação da soberania do leitor na estética marxista, onde está circunscrito à posição social que se lhe determina, e contra a tirania formalista que “apenas necessita do leitor como sujeito da percepção” (pp.55-56). A proposta de Jauss para uma estética da recepção da obra de arte pretende levar-nos mais além do estudo das condições de produção dessa obra e do autor dela: “Se se olhar a História da literatura no horizonte do diálogo entre obra e público, diálogo responsável pela construção de uma continuidade, deixará de existir uma oposição entre aspectos históricos e aspectos estéticos, e poderá restabelecer-se a ligação entre as obras do passado e a experiência literária de hoje que o historicismo rompeu.” (pp.57-58).

Embora se registem diferentes pontos de vista no seio da escola americana conhecida por reader-response criticism, os críticos atrás nomeados parecem concordar na importância do leitor no que respeita à determinação do sentido de um texto, ao contrário da tradição que toma o texto como uma entidade que recolhe já na sua natureza o seu próprio sentido, deixando para o leitor crítico a tarefa de o identificar. A reader-response criticism não valida este papel restrito do leitor mais como um tradutor-intérprete do sentido do texto do que como um interpretador criativo que pode agir sobre esse sentido modificando-o. Norman N. Holland, em 5 Readers Reading (1975), ao comparar cinco diferentes mas legítimas leituras de um mesmo texto literário (“A Rose for Emily”, de Faulkner), procura mostrar que é aquilo a que chama o “tema-identidade” (identity theme) do leitor que constitui o sentido do texto. Tomando como modelo inspirador as propostas de Wolfgang Iser sobre o leitor implícito e o leitor real, apresentadas nas obras Die Implizite Leser (1972) e Der Akt des Lesens - Theorie asthetischer Wirkung (1976), os críticos norte-americanos proclamaram a falência da objectividade do texto, aliás um princípio partilhado pela desconstrução. O texto literário deixa então de ser tomado como um númeno kantiano ou qualquer objecto inteligível, para ser compreendido como um meio de estabelecer uma espécie de contrato de concordância entre leitor e autor.

Hoje, o tipo de questões teóricas que pré-ocupam o estudioso do fenómeno literário tende a concentrar-se, auto-reflexivamente, nos conceitos que dominam num dado momento histórico e nos conceitos que sempre dominaram a própria história da linguagem. Como propõe Stanley Fish, o principal divulgador da reader-response criticism norte-americana, a literatura não pode conter propriedades formais pretensamente definidoras do que é ou não é a literatura: “A literatura é o produto de um modo de ler, de um acordo comunitário acerca daquilo que deverá contar como literatura, que leva os membros da comunidade a prestar um certo tipo de atenção a criarem literatura.” (Is There a Text in This Class?, 1980). O “modo de ler” não é fixo, mas varia ao longo dos tempos, por isso Fish propõe a estética não como sendo a especificação definitiva de propriedades literárias e não literárias, mas sim “uma descrição do processo histórico pelo qual tais propriedades emergem”. O conceito de “comunidade interpretativa” surge então como corolário deste conhecimento relativo da natureza da literatura: “Os sentidos não são propriedade nem de textos fixos e estáveis nem de leitores livres e independentes, mas de comunidades interpretativas que são responsáveis tanto pela configuração das actividades do leitor como pelos textos que essas actividades produzem.”

Todo o leitor pode ser de alguma forma, em algum momento, por algum motivo um crítico. É impensável a crítica que não resulte de um acto de ler e porque este é a sua origem, a escrita só se revela no acto de consumação da leitura. Não há críticos/escritores em primeira instância. A produção do texto crítico só é possível depois do acto de ler algo que também é escrita. A ideia barthiana-estruturalista do crítico como um prolongamento do escritor, continuando sempre a ser escritor, um especialista da escrita, um demiurgo do texto, perde a sua lógica na origem: antes de ser escritor, o crítico tem de ser leitor, tem que estar dependente, subordinado por um dever de originalidade, a um texto já concebido. Não tem como missão a reconstituição do objecto analisado, mas a sua interrogação, não a sua repetição, mas a dissecação da sua natureza. Desde os Princípios de Crítica Literária (1924), de I. A. Richards, que a prática crítica toma como princípio geral de actuação o postulado do crítico como leitor, como um leitor mais atento e especializado, cuja missão é expor o seu ponto de vista formado pela leitura explícita do texto literário. O Barthes estruturalista recusará esta perspectiva. Para ele, a crítica literária não é identificável com a leitura, o crítico não é um leitor, porque este é aquele que se limita ao acto de ler palavra por palavra um texto, simplesmente repetindo-o. Enquanto a leitura é assumida como um processo de simples identificação com o texto, a crítica - não faz, portanto, sentido a separação que nos parece natural entre leitura crítica e leitura espontânea, em que a primeira se refere a um exercício especulativo e a segunda a um mero acto de descodificação verbal sem intuito de "tocar" no texto - coloca o crítico a uma certa distância do texto.

A estética da recepção quer devolver ao leitor um estatuto estético e epistemológico que é suposto ser mais importante do que o do autor ou da própria obra de arte literária. Tal questão arrasta vários problemas que os textos doutrinários da estética da recepção ainda não discutiram. Se a recepção do leitor é mais importante do que tudo o mais, tudo o mais - obra, autor, contexto, intertexto, etc. - perde valor teórico; se uma obra de arte literária só pode ser uma obra de arte quando o leitor a validar, qualquer obra de arte, no momento da sua concepção e produção, ficaria condicionada à existência de um leitor, isto é, de um estranho que não entrou no génio artístico para este se poder exprimir; se um escritor só pode ver-se reconhecido como tal quando o leitor o determinar, qualquer escritor viverá sempre na dependência de um daimonrecognição. O papel do leitor crítico não deve ser intervir na produção da obra de arte, interferir no trabalho do autor, emitir juízos de valor sobre a obra criada a fim de a situar em qualquer lista de referência. Se um leitor trabalha criticamente sobre um texto, não modifica em nada a razão em que o autor desse texto quis assumi-lo como obra de arte, por isso nenhum texto literário nem nenhum autor depende da existência eventual de um leitor. Só podemos falar com rigor de dependência existencial na razão inversa: não há leitores sem previamente existirem autores e textos para serem lidos. A tarefa de ler do leitor só pode ser iniciada quando o escritor tiver terminado a sua tarefa de escrever, pelo que o autor está sempre numa posição privilegiada em relação ao leitor, apenas neste ponto da validação da obra de arte como tal. Ora, se um leitor quiser agir criticamente sobre um texto, não tem que se preocupar, aparentemente, com tal questão. Contudo, se se exigir colocar no prato da balança o texto produzido para poder ser avaliado o seu grau artístico, o que acontece irremediavelmente é o divórcio imediato com a percepção que o autor tem ou teve desse texto no momento da sua produção.
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Estruturalismo

O estruturalismo é uma corrente de pensamento nas ciências humanas que se inspirou do modelo da lingüística e que apreende a realidade social como um conjunto formal de relações.

Origem

O termo estruturalismo tem origem no Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure (1916), que se propunha a abordar qualquer língua como um sistema no qual cada um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos. Esse conjunto de relações forma a estrutura.

O estruturalismo é uma abordagem que veio a se tornar um dos métodos mais extensamente utilizados para analisar a língua, a cultura, a filosofia da matemática e a sociedade na segunda metade do século XX. Entretanto, "estruturalismo" não se refere a uma "escola" claramente definida de autores, embora o trabalho de Ferdinand de Saussure seja geralmente considerado um ponto de partida. O estruturalismo é melhor visto como uma abordagem geral com muitas variações diferentes. Como em qualquer movimento cultural, as influências e os desenvolvimentos são complexos.

De um modo geral, o estruturalismo procura explorar as inter-relações (as "estruturas") através das quais o significado é produzido dentro de uma cultura. Um uso secundário do estruturalismo tem sido visto recentemente na filosofia da matemática. De acordo com a teoria estrutural, os significados dentro de uma cultura são produzidos e reproduzidos através de várias práticas, fenômenos atividades que servem como sistemas de significação. Um estruturalista estuda atividades tão diversas como rituais de preparação e do servir de alimentos, rituais religiosos, jogos, textos literários e não-literários e outras formas de entretenimento para descobrir as profundas estruturas pelas quais o significado é produzido e reproduzido em uma cultura. Por exemplo, um antigo e proeminente praticante do estruturalismo, o antropólogo e etnógrafo Claude Lévi-Strauss analisou fenômenos culturais incluindo mitologia, relações de família preparação de alimentos.

Lévi-Strauss explicou que os antônimos estão a base da estrutura sócio-cultural. Em seus primeiros trabalhos demonstrou que os grupos familiares tribais eram geralmente encontrados em pares, ou em grupos emparelhados nos quais ambos se opunham e se necessitavam ao mesmo tempo. Na Bacia Amazônica, por exemplo, duas grandes famílias construíam suas casas em dois semi-círculos frente-a-frente, formando um grande círculo. Também mostrou que os mapas cognitivos, as maneiras que os povos categorizavam animais, árvores, e assim por diante, eram baseados em séries de antônimos. Mais tarde em seu trabalho mais popular "O Cru e o Cozido", descreveu contos populares amplamente dispersos da América do Sul tribal como inter-relacionados através de uma série de transformações - como um antônimo aqui transformava-se em outro antônimo ali. Por exemplo, como o título indica, Cru torna-se seu oposto, Cozido. Esses antônimos em particular (Cru/Cozido) são simbólicos da própria cultura humana que por meio do pensamento e do trabalho, matérias-primas tornam-se roupas, alimento, armas, arte, idéias. Cultura, explicou Lévi-Strauss, é um processo dialético: tese, antítese, síntese.

Quando usado para examinar literatura, um crítico estruturalista examinará a relação subjacente dos elementos ('a estrutura') em, por exemplo, uma história, ao invés de focalizar em seu conteúdo. Um exemplo básico são as similaridades entre 'Amor Sublime Amor' e 'Romeu e Julieta' . Mesmo que as duas peças ocorram em épocas e lugares diferentes, um estruturalista argumentaria que são a mesma história devido à estrutura similar - em ambos os casos, uma garota e um garoto se apaixonam (ou, como podemos dizer, são +AMOR) apesar de pertencerem a dois grupos que se odeiam, um conflito que é resolvido por suas mortes. Considere agora a história de duas famílias amigas (+AMOR) que fazem um casamento arranjado entre seus filhos apesar deles se odiarem (-AMOR), e que os filhos resolvem este conflito cometendo suicídio para escapar da união. Um estruturalista argumentaria que esta segunda história é uma 'inversão' da primeira, porque o relacionamento entre os valores do amor e dos dois grupos envolvidos foi invertido. Adicionalmente, um estruturalista argumentaria que o 'significado' de uma história se encontra em descobrir esta estrutura ao invés de, por exemplo, descobrir a intenção do autor que a escreveu.

O Curso de Saussure

Ferdinand de Saussure é geralmente visto como o iniciador do estruturalismo, especificamente em seu livro de 1916 'Curso de Lingüística Geral'. Ainda que Saussure fosse, assim como seus contemporâneos, interessado em lingüísticas históricas, desenvolveu no Curso uma teoria mais geral de semiologia (estudo dos signos). Essa abordagem se concentrava em examinar como os elementos da linguagem se relacionavam no presente ('sincronicamente' ao invés de 'diacronicamente'). Assim ele focou não no uso da linguagem (o falar), mas no sistema subjacente de linguagem (idioma) do qual qualquer expressão particular era manifestação. Enfim, ele argumentou que sinais lingüísticos eram compostos por duas partes, um 'significante' (o padrão sonoro da palavra, seja sua projeção mental - como quando silenciosamente recitamos linhas de um poema para nós mesmos - ou de fato, sua realização física como parte do ato de falar) e um 'significado' (o conceito ou o que aquela palavra quer dizer). Era totalmente diferente das anteriores abordagens à linguagem, que focavam-se no relacionamento entre palavras e as coisas que elas denominavam no mundo. Concentrando-se na constituição interna dos sinais ao invés da sua relação com os objetos no mundo, Saussure fez da anatomia e estrutura da linguagem algo que pode ser analisado e estudado.

Estruturalismo na Lingüística

O Curso de Saussure influenciou muitos lingüistas no período entre as I e II Grandes Guerras. Nos EUA, por exemplo, Leonard Bloomfield desenvolveu sua própria versão de linguística estrutural, assim como fez Louis Hjelmslev na Escandinávia. Na França, Antoine Meillet e Émile Benveniste continuariam o programa de Saussure. No entanto, ainda mais importante, membros da Escola de Lingüística de Praga como Roman Jakobson e Nikolai Trubetzkoy conduziram pesquisas que seriam muito influentes.

O mais nítido e mais importante exemplo do estruturalismo da Escola de Praga encontra-se na fonética (estudo dos fonemas). Ao invés de simplesmente compilar uma lista dos sons que ocorrem num idioma, a Escola de Praga procurou examinar como elas se relacionavam. Determinaram que o catálogo de sons em um idioma poderia ser analisado em termos de uma série de contrastes.

Por exemplo, em inglês as palavras 'pat' e 'bat' são diferenciadas devido ao contraste de sons do /p/ e do /b/. A diferença entre eles é que as cordas vocais vibram enquanto se diz um /b/ e não vibram quando se diz um /p/. Também no inglês existe um contraste entre consoantes pronunciadas e não-pronunciadas. Analisando sons em termos de características contrastantes também abre um espaço comparativo - deixa claro, por exemplo, que a dificuldade que falantes japoneses tem em diferenciar o /r/ do /l/ no inglês deve-se ao fato desses dois sons não serem contrastantes em japonês. Enquanto essa abordagem é agora padrão em linguística, foi revolucionária na época. A fonologia viria a tornar-se a base paradigmática para o estruturalismo num diferente número de formas.

Estruturalismo na Antropologia

Claude Lévi-Strauss é o expoente da corrente estruturalista na Antropologia. Para fundá-la, Lévi-Strauss buscou elementos das ciências que, no seu entender, haviam feito avanços significativos no desenvolvimento de um pensamento propriamente objetivo. Sua maior inspiração foi a Lingüística estruturalista da qual faz constante referência, por exemplo, a Jakobson.

Ao apropriar-se do pensamento estruturalista para aplicá-lo à antropologia, Lévi-Strauss pretende chegar ao modus operandi do espírito humano. Deve haver, no seu entender, elementos universais na atividade do espírito humano entendidos como partes irredutíveis e suspensas em relação ao tempo que perpassariam todo modo de pensar dos seres humanos.

Nesta linha de pensamento, Lévi-Strauss chega ao par de oposições como elemento fundamental do espírito: todo pensamento humano opera através de pares de oposição. Para defender esta sua tese, Lévi-Strauss analisa milhares de mitos nas mais variadas sociedades humanas encontrando nelas modos de construção análogas em todas.

Estruturalismo na Filosofia da Matemática

Estruturalismo na matemática é o estudo de que estruturas dizem o que um objeto matemático é, e como a ontologia (estudo do Ser) dessas estruturas deveria ser entendida. É uma filosofia crescente dentro da matemática que não deixa de ter sua porção de críticos. Em 1965, Paul Benacerraf escreveu um ensaio intitulado: "O Que os Números Não Poderiam Ser." É um artigo seminal em estruturalismo matemático, num estranho modo de dizer: ele iniciou o movimento pela resposta que gerou. Benacerraf endereçou uma noção em matemática para tratar enunciados matemáticos em valor nominal, e nesse caso estamos comprometidos a uma abstrata e eterna esfera de objetos matemáticos. O dilema de Bernacerraf é como nós viemos a saber desses objetos se não nos encontramos em relação casual com os mesmos. Esses objetos são considerados casualmente inertes ao mundo. Outro problema levantado por Bernacerraf são as múltiplas teorias de grupos que existem através da redução de teoria elementar dos números para teoria de grupos. Decidir qual das teorias é verdadeira não foi praticável. Benacerraf concluiu em 1965 que números não são objetos.

A resposta às reivindicações negativas de Benacerraf é como o estruturalismo tornou-se um programa filosoficamente viável dentro da matemática. O estruturalismo responde a essas reivindicações negativas que a essência dos objetos matemáticos são relações em que os objetos sejam pacientes com as estruturas. Estruturas são exemplificadas em sistemas abstratos em termos de relações que contêm a verdade para aquele sistema.

Estruturalismo no pós-Guerra

Após a II Guerra Mundial, e particularmente nos anos 60, o estruturalismo emergiu à proeminência na França e foi a popularidade inicial do estruturalismo nesse país que o levou a se expandir pelo globo.

Durante as décadas de 40 e 50, o existencialismo como era praticado por Jean-Paul Sartre era o modo dominante. O estruturalismo rejeitava a noção existencialista de liberdade humana radical e, ao invés disso, concentrava-se na maneira que o comportamento humano é determinado por estruturas culturais, sociais e psicológicas. O mais importante trabalho nesse sentido foi o volume de 1949 de 'As Estruturas Elementares do Parentesco' de Claude Lévi-Strauss. Lévi-Strauss havia conhecido Jakobson durante sua estada em Nova Iorque durante a II Guerra Mundial e foi influenciado tanto pelo estruturalismo de Jakobson quanto pela tradição antropológica americana. Em 'Estruturas Elementares' ele examinou os sistemas de relações de parentesco de um ponto de vista estrutural e demonstrou o quanto organizações sociais aparentemente diferentes eram de fato permutações de algumas poucas estruturas de parentesco. No final dos anos 50 ele publicou 'Antropologia Estrutural', uma coleção de ensaios que delineavam seu programa para o estruturalismo.

No início dos anos 60 o estruturalismo como movimento começava a andar com suas próprias pernas e alguns acreditavam que isso ofereceu uma singular abordagem unificada da vida humana que poderia abraçar todas as disciplinas. Roland Barthes e Jacques Derrida se concentraram em como o estruturalismo poderia ser aplicado à literatura. Jacques Lacan (e, de outro modo, Jean Piaget) aplicaram o estruturalismo ao estudo da psicologia, combinando Freud e Saussure. O livro de Michel Foucault 'A Ordem do Discurso' examinou a história da ciência para estudar como estruturas de epistemologia (teoria da ciência) davam forma a como as pessoas imaginavam o conhecimento e o saber (apesar de que Foucault, mais tarde, negaria explicitamente uma pretensa afiliação com o movimento estruturalista). Louis Althusser combinou Marxismo com estruturalismo para criar seu próprio tipo de análise social. Outros autores na França e no exterior têm desde então estendido a análise estrutural a praticamente toda disciplina.

A definição de 'estruturalismo' também mudou como resultado de sua popularidade. Como sua popularidade como movimento passava por altos e baixos, alguns autores se consideravam 'estruturalistas' e logo depois abandonavam o rótulo. Adicionalmente, o termo teve significados levemente diferentes em inglês e em francês. Nos EUA, por exemplo, Derrida é considerado o paradigma do pós-estruturalismo enquanto na França é rotulado como estruturalista. Enfim, alguns autores escreveram em vários estilos diferentes. Barthes, por exemplo, escreveu livros claramente estruturalistas e outros que claramente não o eram.

Estruturalismo na Psicologia

O estruturalismo define a psicologia como ciência da consciência ou da mente, definição herdada de Wundt. Mostra-nos que a mente seria a soma dos processos mentais. Edwart hener afirmava que cada totalidade psicológica compõe-se de elementos. O objetivo da psicologia seria a tarefa de descobrir quais são os elementos mentais, o conteúdo e a maneira pela qual se estrutura. Três parâmetros estão em relação ao objeto: "o que é?" - através da análise se chega aos componentes da vida mental; "o como?" - a síntese mostra como os elementos estão associados e estruturados e que leis determinam essas associações; e "o por quê?" - investiga a causa dos fenômenos. Titchener afirma que, embora o sistema nervoso não seja a causa da mente, pode ser usado para explicá-la.

Titchener considera que os elementos ou as unidades que compõem o conteúdo da mente são as sensações, as imagens, as afeições e os sentimentos. Usa-se a introspecção para chegar a eles, através de uma observação treinada e preparada para garantir os dois pontos essenciais de toda a observação: a atenção e o registro do fenômeno.
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Formalismo russo

Corrente de crítica literária que se desenvolveu na Rússia a partir de 1914, sendo interrompida bruscamente em 1930, por decisão política. O nome do movimento foi objecto de discussão e, muitas vezes, se disse que era inadequado. Nos textos introdutórios da tradução portuguesa (de Iasbel Pascoal) da colectânea de textos dos formalistas russos, preparada por Tzvetan Todorov, quer Roman Jakobson quer o próprio Todorov começam por chamar à designação formalismo uma espécie de falácia ou termo pejorativo, criado pelos opositores desta teoria. Citando Jakobson, o formalismo, que foi “uma etiqueta vaga e desconcertante que os detractores lançaram para estigmatizar toda a análise da função poética da linguagem, criou a miragem de um dogma uniforme e consumado.” (Todorov, 1999, p.12).

O Círculo Linguístico de Moscovo foi fundado por alguns estudantes da Universidade de Moscovo, no inverno de 1914-1915, com o propósito de promover estudos de poética e de linguística, afastando-se assim da linguística tradicional e aproveitando a renovação da poesia russa que os poetas da época haviam iniciado. Este Círculo veio a receber oportuna colaboração da Sociedade de Estudos da Linguagem Poética (sigla russa: OPOIAZ), a partir de 1917. A primeira publicação do grupo, A Ressurreição da Palavra (1914), de Viktor Skhlovski, foi seguida da colectânea Poética, que havia de divulgar os primeiros trabalhos do grupo. Inicia-se um período de grande polémica, criticando-se sobretudo o afastamento dos novos linguistas dos “princípios eternos da arte”, sacrificando-os à primazia de estudos poéticos e linguísticos baseados em teorias puramente materialistas; por outro lado, os teóricos de inspiração marxista também não aceitaram que a nova poética ignorasse as realidades sociais e o recurso à literatura como meio de transformação dessas realidades. Em termos internacionais, os trabalhos dos formalistas russos só ganhou projecção quando Victor Erlich publica o livro Russian Formalism (1955). Esta divulgação no mundo ocidental foi decisiva, porque permitiu o desenvolvimento de inúmeros estudos e traduções de textos fundamentais. Se no ocidente os trabalhos dos formalistas russos não chega a ser totalmente conhecido e bem recebido até à década de 1950, na então Checoslováquia e Polónia teve grande repercussão. Formou-se o Círculo Linguístico de Praga, que se desenvolve a partir da década de 1920 e teve entre os seus principais participantes os russos Jakobson, Trubetzkoi e Bogatiriev e o checo Mukarovski, autor de Funções Estéticas como Reflexos de Normas e Factos Sociais (1936), resumo da sua teoria geral de estética, e Estudos sobre Estética (1966), fundamentos de uma estética estrutural.

Este Círculo só será desfeito no fim da Segunda Guerra Mundial, em função da situação política da Checoslováquia. Jakobson emigra para os Estados Unidos, onde conhece o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, de cujo relacionamento intelectual se desenvolveria, em grande parte, o estruturalismo. Esta escola de Praga representou uma espécie de transição do formalismo para o estruturalismo. Estes teóricos desenvolveram as ideias dos formalistas, mas sistematizaram-nas dentro do quadro da linguística saussureana. Há quem defenda que os formalistas de Praga foram uma versão científica do New Criticism anglo-americano.

Os formalistas russos são responsáveis por uma renovação da metalinguagem crítica, fornecendo novos termos de análise do texto literário, discutíveis individualmente, sem dúvida, mas que constituem ainda hoje objecto de reflexão e discussão, o que prova a sua importância. Muitos dos temas teóricos escolhidos para investigação nunca antes haviam sido discutidos: as funções da linguagem, em particular a relação entre a função emotiva e a função poética (Roman Jakobson), a entoação como princípio constitutivo do verso (B. Eikhenbaum), a influência do metro, da norma métrica, do ritmo quer na poesia quer na prosa (B. Tomachevski), a estrutura do conto fantástico (V. Propp), a metodologia dos estudos literários (J. Tynianov), etc. De entre os conceitos e discussões técnicas sobre terminologia literária (discutidos individualmente neste Dicionário) são de realçar a noção de literariedade ou literaturnost (o que faz com que um texto literário seja considerado literário; de notar que os formalistas ignoraram as formas não literárias, servindo-se apenas delas para mostrar precisamente que o que distingue um texto literário de um não literário é a literariedade); o estranhamento ou ostranienie, que Shklovsky define como a forma que a arte tem de tornar “estranho” aquilo que tem uma existência comum nascido de um processo de automatização (processo que se confunde com a banalização do objecto de arte, que só por um outro processo de renovação poderá proceder a um renascimento da arte); o predomínio da forma sobre o conteúdo do texto literário, porque é a forma que determina verdadeiramente a literariedade; e as noções de fabula e sjuzhet, como princípios constitutivos o texto em prosa (a fabula é o material primitivo de onde nascerá a narrativa, organizada em torno de uma trama ou sjuzhet, elemento puramente literário, que não se confude com a narração cronológica dos acontecimentos, mas é antes uma espécie de estranhamento narrativo da fabula).

Praticamente toda a doutrina dos formalistas russos foi objecto de crítica. Uma das teses mais refutadas foi a da literariedade. Da extensa bibliografia sobre a rejeição do privilégio da literariedade, chamamos a atenção para: Henryk Markiewicz, “The Limits of Literature” (New Literary History, IV, 1, 1972); Costanzo Di Girolamo, Critica della letterarietà (Il Saggiatore, Milão, 1978); e, mais recentemente, Jonathan Culler, que inicia e termina o seu artigo sobre “A literariedade” com as seguintes confissões, respectivamente: “Devemos confessar que não chegámos a uma definição satisfatória da literariedade.” e “Não encontrámos nenhum critério distintivo e suficiente susceptível de a definir.” (Teoria Literária, dir. de Marc Angenot et al., Publ. Dom Quixote, Lisboa, 19p.45 e p.58). A teoria formalista defendia que não há poetas nem personagens literárias: apenas há poesia e literatura. Assim sendo, o professor formalista é obrigado a ensinar, por exemplo, que Os Maias não são de forma alguma um “romance de família”, mas antes um puro exercício de técnicas de narração, constituindo as personagens simples artifícios de construção dessas técnicas. Mais, a literaturnost implica que os usos especiais de linguagem que fazem o literário se encontrem não só nos textos literários mas também fora deles. Então, se a literatura pode ser definida nestes termos, podemos argumentar que o discurso oral quotidiano contém maior dose de metaforização do que muitos textos declarados “literários”. O jornal A Bola tem, pois, mais marcas de literaturnost do que muitos romances que hoje se publicam sob esta designação. No final dos anos 20, o estalinismo acabou com os formalistas russos e com a literaturnost.

Não só a poesia interessou os formalistas. A prosa foi sistematicamente trabalhada, sobretudo por teóricos como Shklovsky (Sobre a Teoria da Prosa) e Tomachevski, autor da primeira obra monográfica sobre Teoria da Literatura. V. Propp, com a célebre Morfologia do Conto (1928), formulou uma teoria das funções narrativas nos contos populares, que se revelou fecunda nos estudos da narrativa em geral. Interessaram também aos formalistas russos os princípios linguísticos de organização da obra como produto estético. O estudo do romance, como grande narrativa, conheceu um importante contributo de Boris Eikhenbaum (Teoria da Literatura, ed. por Eikenbaum et alii, Porto Alegre, 1971), que propõe uma teoria da prosa e traça uma retrospectiva histórica sobre a evolução do romance em relação ao relato oral, concorrendo, significativamente, para a diferenciação entre o romance e a novela, baseada no princípio de que a novela seria uma equação com uma incógnita e o romance, um problema com regras diversas, um sistema de equações com muitas incógnitas, sendo as construções intermediárias tão importantes ou mais que a resposta final.

Após a interdição política da actividade dos formalistas, alguns que se encontravam no estrangeiro, prosseguiram os trabalhos iniciados na Rússia. Acontece assim com Jakobson, por exemplo, que se mantém sempre fiel à orientação formalista inicial, mesmo que resvale para o estruturalismo francês dos anos 60; outros, como Skhlovski, acabaram por renegar a sua doutrina anterior.

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sábado, 14 de junho de 2008

Literatura Negra














Pós graduação letras UFBA

Negros afro


Identidade negra






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Literatura Negra

Saída da revolta, da rebelião contra a situação de marginalidade à qual foi geralmente condenada, a literatura negra aparece como uma forma privilegiada de auto-conhecimento e da reconstrução de uma imagem positiva do negro. O conceito de literatura negra emerge da prórpia característica dos signos que estão em um perpétuo movimento de rotação: os signos que nos exilam podem ser aqules que nos constituem em nossa humana condição (cf. Octavio Paz, 1982). A apariação do que denominamos literatura negra está, pois ligada à compreensão desta rotatividade: um mesmo signo - negro - pode remeter à idéia de ofensa e de humilhação ou ser assumido com orgulho. A prática de um recentramento estético e cultural é a principal componente das literaturas negras, independentemente da língua através da qual se exprimem e do país de onde são originárias.

O fato de justapor um adjetivo à palavra literatura é sempre problenático na medida em que as etiquetas correspondem à necessidade de delimitar o conceito e circunscrever sua amplitude. Se as classificações fundadas na idéia de nação correm o risco de ser problemáticas, elas se tornam ainda mais nos casos onde a pertença a uma comunidade linguística ou étnica é mais significativa que a pertença a um país. Quando a classificação tem a ambição de dar conta do sexo (literatura feminina ou feminista) ou da raça (literatura judaica ou negra) dos escritores, as etiquetas correm o risco de tornarem-se heterofóbicas. Em estudos anteriores (Bernd, 1988), criticamos a definição de literatura negra associada à raça, ou simplesmente à cor da pele do autor. Tal classificação de tipo racial ou epidérmico é ideologicamente perigosa e cientificamente falsa.

Se as diversidades culturais não têm relação direta com as raças, é impossível, do ponto de vista científico, estabelecer relações entre uma determinada etnia e a produção de bens culturais. Não há, portanto, nenhuma correlação entre as características psicofísicas dos negros e as culturas por eles produzida. A hipótese de definir poesia negra pelo critério da cor da pele dos indivíduos foi portanto excluída de saída, dada a inexistência de fundamentos científicos que sustentem as correlações etnia/sensibilidade.

A segunda possibilidade seria escolher a temática como categoria para estabelecer o conceito de literatura negra. Este crtério seria também uma armadilha na medida em que a figura do negro, como escravo ou como homeme livre, emerge na literatura brasileira desde as primeiras manifestações literárias até asproduções mais recentes. O critério temático não teria pois funcionalidade: as contribuições de diferentes culturas africanas sincretizaram-se a tal ponto que qualquer tentativa de decantá-las seria totalmente supérflua.

Qual seria então a justificativa da apelação literatura negra? Contrariamente ao que se passa no Caribe onde os escritores protestam contra os asfixiantes prefixos tais como: “negro-africano”, “afro-americano”, no Brasil, a expressão literatura negra corresponde a uma reivindicação da parte de bom número de escritores afro-brasileiros que concebem a prática da escritura literária como um espaço propício à enunciação da reconstrução identitária, em crise após a desctruição brutal representada por um longo período escravista.

Neste sentido, o único critério possível para conceituar uma escritura negra seria o critério discursivo: a emergência de um eu enunciador que se quer negro é o elemento-chave que singulariza as obras. O surgimento de um eu-enunciador que assume sua condição de negro e de brasileiro constitui um espécie de divisor de águas entre um discurso sobre o negro, que sempre existiu na literatura brasileira, e um discurso do negro que corresponderia ao desejo de renovar a representação convencional construída ao longo dos séculos, quase sempre carregada de preconceitos e de estereótipos.

A sabotagem da tradição, a inversão da ordem, de modo a alterar a situação que relegava a literatura ao espaço da sombra, orientaram sua trajetória cujo princípio fundamental não poderia ser outro que a reapropriação sistemática de um esquema referencial fundador que teria como conseqüência a delimitação de um novo território (Deleuze e Guattari, 1977). Será, portanto, sob o signo do marronnage cultural de que fala René Depestre que Calibã vinga-se de Próspero, inscrevendo no tecido poético os dispositivos de transformação ideológica da consciência individual. Esta consciência torna-se autônoma quando chega a libertar-se do discurso mistificador da dominação. Tal autonomia só estará, contudo, completa quando a poesia permitir pensar o mundo como aceitação da diferença e conseguir modificar o atual sistema de representação onde um é sempre o bárbaro do outro.

A importância da emergência do eu-enunciador que se quer negro não está apenas no fato de assinalar uma ruptura com o discurso social que negava os negros, mas também por marcar, de maneira definitiva, a tentativa de compreender o que significa ser negro nas Américas. Não sendo mais africanos, nem brancos, sentindo-se tratados como brasileiros de segunda classe, identificando-se apenas parcialmente com o cânone ocidental, praticando uma religião amplamente sincretizada, não restava outra saída aos descendentes de ex-escravos do que empreender - através da palavra poética - um lento processo de rememoração dos vestígios (la trace) de sua história e de resgate dos fragmentos de narrativas ancestrais para, a partir daí, iniciar o processo (inacabado) de redefinição identitária.

A preocupação de mostrar a cara, de convocar a comunidade para exorcizar seu complexo de inferioridade por ser negro, logo o exercício de afirmação individual e coletivo é, em nosso contexto, muito mais premente do que afirmar sua pertença à nação brasileira, como ocorre, por exemplo, com os poetas africanos lusófonos para os quais a urgência está em afirmar sua vinculação às nações que acabam de emergir autonomamente, após um longo período de passado colonial. Deste modo, raras vezes a preocupação com o nacional aflora na poesia negra brasileira, havendo freferentemente um sentimento de solidariedade para com os outros negros da América, um desejo de ultrapassar - em termos de identidade - as fronteiras do nacional.

Bibliografia:

BERND, Zilá. Literatura negra. In JOBIM, J.L., org. As palavras da crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1992. P. 267-276.

BERND, Zilá. O que é negritude. São Paulo: Brasiliense, 1988.

BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense, 1988.

DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Kafka: pour une littérature mineure. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

PAZ, Octavio. O arco e a lira: Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.

Zilá Bernd

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O negro na literatura brasileira: a necessidade de um novo paradigma de crítica social e literária

A história da África e seus habitantes, especialmente os que foram trazidos para o Brasil como escravos e seus descendentes, ou seja, todos nós, transformou-se, ainda que tardiamente, em componente curricular obrigatório. Talvez não a obrigatoriedade mas o privilégio de saber sobre o continente africano devesse nos impulsionar a descobrir mais sobre uma terra tão íntima e ao mesmo tempo estranha, próxima e distanciada.

Há mesmo quem chegue a pensar que a África é um país e não um continente. E normalmente esse país é pensado como um lugar onde habitam povos “primitivos” que vivem em tribos em meio à floresta cheia de animais selvagens. (ADINOLFI, 2005: p.1)

Estes e outros estereótipos encontram-se amplamente divulgados pelos meios de comunicação e pelo próprio sistema educacional, ainda representando extensões do pensamento europeu do final do século XIX, até então considerado científico, mas que veiculou informações menos científicas do que ideológicas sobre o continente africano, a fim de justificar o sistema de dominação colonial.

Forjou-se um conceito de raças humanas pressupondo uma hierarquia em cujo topo estava, evidentemente, o branco (caucasiano). Na base estariam os povos africanos e outros de pele escura, como os aborígenes australianos, vistos como “incapazes”, “preguiçosos”, “atrasados”, “selvagens” que só poderiam ser salvos pela ação da colonização européia. (Idem, Ibdem)

O outro lado da moeda que estampa o africano incapaz e atrasado revela o branco superior e desenvolvido. A teia de conceitos confunde ciência com ideologia, individualidades com estereótipos, verdades com vontades, onde se tece uma outra forma de cativeiro: a escravidão simbólica que irá castigar incansavelmente a auto-estima dos afrodescendentes.

O texto literário do século XIX, ansioso por configurar nossa identidade nacional, deixa escapar as contradições de uma sociedade que deseja acompanhar os modelos da modernização européia, beneficiando-se ainda da herança nefasta da escravidão.(SCHWARZ, 1990) A literatura oficial brasileira, acompanhando o modelo social hierarquizado, teria desprestigiado as atuações das etnias diferenciadas até o início do século XX, à exceção de Lima Barreto e Solano Lopes que, mesmo assim, só bem mais tarde receberam algum reconhecimento. A representação dos negros na literatura ficaria restrita a alguns estereótipos, entre os quais, aqueles do negro dócil, castigado, submisso, ou, por outro lado, bestial, instintivo, carnal. Assim, ocorreu um processo que substituiu a invisibilidade por uma visibilidade estereotipada, que felizmente existiu para que pudesse ser desmentida, tal como aparece em Solano Trindade ao revelar o homem negro como um ser humano em sua complexidade, sujeito de uma escritura:

Eu tenho orgulho de ser filho de escravo...

Tronco, senzala, chicote,

Gritos, choros, gemidos,

Oh! que ritmos suaves,

Oh! Como essas coisas soam bem

nos meus ouvidos...

Eu tenho orgulho em ser filho de escravo.

No entanto, a literatura encontra-se povoada por estereótipos de todas as cores: desde o Gaúcho de Alencar, que cavalgava pelos pampas sem subjetividade, à donzela pálida e assexuada, passando pelo índio homenageado por bom comportamento, o português rústico, o sertanejo jeca ou o nordestino retirante. Quanto à representação do negro, identificam-se dois grupos de autores: um deles representando os personagens negros a partir de estereótipos que apenas reproduziriam o modelo social hierarquizante; e um outro que busca subverter essa representação. Porém, talvez seja impróprio compará-los e, principalmente, cobrar dos primeiros o amadurecimento de uma consciência étnica e crítica que se construiu a partir de um processo histórico e estético que apenas o segundo grupo vivenciou.

Então, podemos indagar: Quando os negros participam da produção literária em forma de estereótipo, não seria possível encontrar do outro lado dessa moeda desvalorizada o branco também preso ao seu próprio estereótipo? Ah! Mas aí seria um estereótipo positivo, já que o europeu seria representado como o Senhor, como aquele que segura o cabo do chicote. No entanto, se compreendemos essa representação como “positiva”, não estaríamos compartilhando o mesmo ideário, a mesma concepção eurocêntrica que preparou tais dicotomias? Será que a concepção da negritude é uma capacidade epitelial?

Talvez esse sentimento dependa menos da origem do que da capacidade de duvidar de verdades construídas para proteger interesses, ou da vontade de verdade ocidental, que engendrou conceitos como raça, pureza, desenvolvimento etc. (NIETZSCHE, 1992) No entanto, reproduzir a ideologia dominante não caracterizaria necessariamente uma literatura não-negra, mas uma literatura não-crítica. Mas isso é igualmente uma classificação imprópria, principalmente se levarmos em consideração que os silêncios do texto também significam algo; que nós podemos detectar o que foi silenciado, como detectamos o silenciamento dos personagens negros, de seu aprisionamento em estereótipos, do mesmo modo que podemos observar o sacrifício e o sofrimento de Peri e Iracema, por mais que Alencar desejasse afirmar a harmonia do encontro entre o colonizador e o índio, ou tapar o sol com a peneira, como diz o ditado popular.

Uma outra personagem feminina, desta vez não uma índia mas uma mulata, teria recebido um tratamento inadequado pelo poeta Gregório de Matos. É em relação ao tratamento dispensado à mulher que o poeta estabelece uma nítida distinção entre as raças. Assim, ele retrata a mulher branca como um ser angelical – anjo no nome, angélica na cara – para deixar patente a sua inacessibilidade como ser superior, enquanto a visão que projeta da mulher negra corre em direção contrária, de modo que o rebaixamento no seu tratamento contrasta com a divinização emprestada à mulher branca. Daí, enquanto Maria é definida como santa, anjo ou deusa, à personagem Jelu não seria dispensado tratamento semelhante, restando-lhe os atributos que pertenceriam ao “sórdido”, “impuro” ou “bestial”:

Jelu, vós sois rainha das mulatas.

E, sobretudo, vós sois rainha das putas.

Tendes o mando sobre as dissolutas

Que moram nas quitandas dessas gatas.

Assim, em contraste com a visão de amor platônico retratada no soneto que Gregório dedica a Maria, Jelu é transfigurada, sem a menor cerimônia, em gata dissoluta.(NASCIMENTO, 2006:p.59) Portanto, o poeta seiscentista ainda não transgride uma concepção de mundo baseada em dicotomias e hierarquias. No entanto, observando isso, poderíamos nos perguntar se tal paradigma classificativo é facilmente superável.

Afinal, quando um determinado paradigma de escolha nos incomoda – carnal em vez de espiritual, pureza em vez de luxúria, bestial em vez de humano, puta em vez de santa –, isso significa que ainda estamos operando nos termos de seu modelo dicotômico e hierarquizante, ou seja, que não superamos ainda a velha cartilha do pensamento ocidental que classificou os africanos como inferiores, incapazes e feios, enquanto ressaltava a inteligência, a beleza e a superioridade do europeu.

No fundo, o que efetivamente nos incomoda é a possibilidade de sermos identificados como pertencentes aos “impuros” ou “inferiores”, mas não propriamente a existência do modelo cultural que opera com dicotomias. Ora, pensando ou sentindo nesses termos, embora não conscientemente, o trabalho de crítica não está livre de reproduzir a mesma concepção de mundo daqueles que, antes de escravizarem os africanos, escravizaram os paradigmas de verdade e autoproclamaram-se modelos de excelência cultural, social ou racial.

por ROSÂNGELA BOYD DE CARVALHO

segunda-feira, 31 de março de 2008

DOWNLOAD DE LIVROS


GUERRA DOS MASCATES
(José de Alencar)






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OBRAS COMPLETAS
(Casimiro de Abreu)


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MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS
(Machado de Assis)


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MEMORIAL DE AIRES
(Machado de Assis)





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Casa de Penção
(Aluísio de Azevedo)






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DOM CASMURRO
(Machado de Assis)



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CINCO MINUTOS
(José de Alencar)





RESUMOS DE LIVROS

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GRANDE SERTÃO:VEREDAS

Resumo:

Riobaldo, fazendeiro do estado de Minas Gerais, conta sua vida de jagunço a um ouvinte não identificado. Trata-se de um monólogo onde a fala do outro interlocutor é apenas sugerida. São histórias de disputas, vinganças, longas viagens, amores e mortes vistas e vividas pelo ex-jagunço nos vários anos que este andou por Minas, Goiás e sul da Bahia. Toda a narração é intercalada por vários momentos de reflexão sobre as coisas e os acontecimentos do sertão. O assunto parece sempre girar na existência ou inexistência do diabo, já que Riobaldo parece Ter vendido sua alma numa certa ocasião... Riobaldo era um dos jagunços que percorriam o sertão abrindo o caminho à bala. Entre seus companheiros, havia um que muito lhe agradava: Reinaldo, ou Diadorim. Conhecera-o quando menino e mantinha com ele uma relação que muitas vezes passava de uma simples amizade. O jagunço, que admirava e cultivava um terno laço com Diadorim, perturbava-se com toda aquela relação, mas a alimentava com uma pureza que ia contra toda a rudeza do sertão, beirando inclusive o amor e os ciúmes. Nas longas tramas e aventuras dos jagunços, Riobaldo conhece um dos seus heróis: o chefe Joca Ramiro, verdadeiro mito entre aqueles homens, que logo começa a mostrar certa confiança por ele. Isso dura pouco tempo, já que Riobaldo logo perde seu líder: Joca Ramiro acabou sendo traído e assassinado por um dos seus companheiros chamado Hermógenes. Riobaldo jura vingança e persegue Hermógenes e seus homens por toda aquela árida região. Como o medo da morte e uma curiosidade sobre a existência ou não do diabo toma cada vez mais conta da alma de Riobaldo, evidencia-se um pacto entre o jagunço e o príncipe das trevas, apesar de não explícito. Acontecido ou não o tal pacto, o fato é que Riobaldo começa a mudar à medida que o combate final contra Hermógenes se aproxima. E a crescente raiva do jagunço só é contida por uma relação mais estreita com Diadorim, que já mostra marcas de amor completo. Segue-se, então, o encontro com Hermógenes e seus homens, e a vingança é enfim saboreada por Riobaldo. Vingança, aliás, que se tornou amarga: Hermógenes mata, durante o combate, o grande amigo Diadorim... A obra reserva, nas últimas páginas, uma surpreendente revelação: na hora de lavar o corpo de Diadorim, Riobaldo percebe que o velho amigo de aventuras que sempre lhe cativou de uma forma especial era, na verdade, uma mulher.

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MACHADO DE ASSIS - A CARTOMANTE

Resumo:
A cartomante é a historia de Vilela, Camilo e Rita envolvidos em um triângulo amoroso. A historia começa numa Sexta-feira de novembro de 1869 com um dialogo entre Camilo e Rita. Camilo nega-se veementemente a acreditar na cartomante e sempre desaconselha Rita de maneira jocosa. A cartomante está caracterizada neste conto como uma charlatã, destas que falam tudo o que serve para todo mundo. É um personagem sinistro, que apesar não ter nem o seu nome revelado (característica machadiana), destaca-se como um personagem que ludibria os personagens principais. Rita crê que a cartomante pode resolver todos os seus problemas e angústias. Camilo já no fim do conto, quando está prestes a ter desmascarado seu caso com Rita, no ápice de seu desespero, recorre a esta mesma cartomante, que por sua vez o ilude da mesma forma como ilude todos os seus clientes, inclusive Rita. A mulher usa de frases de efeito e metáforas a fim de parecer sábia e dona do destino de Camilo, este que sai de lá confiante em suas palavras e ao chegar no apartamento de Vilela encontra Rita morta e é morto a queima roupa pelo amigo de infância, que já está sabendo da traição da esposa e o esperava de arma em punho.

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EÇA DE QUEIROZ - A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

Resumo:
Publicado em 1900, A Ilustre Casa de Ramires pertence à terceira fase da produção queirosiana. Vazado em estilo apurado, com perfeita técnica narrativa e uma linguagem ora arcaizante, ora próxima da moralidade, retrata dois aspectos da realidade portuguesa: um Portugal do século XIX, de feições modernas, paralelamente a um Portugal do século XII, com a Idade Média lapidando um povo heróico. Ambas as épocas são vividas na aldeia de Santa Irinéia e são analisadas a partir da torre dos Ramires, nobre mansão medieval que serve de ligação entre esses dois tempos. I – Situando a narrativa no presente, em terceira pessoa, apresenta como personagem o jovem Ramires, representante de uma nobreza falida econômica e moralmente. Gonçalo Mendes Ramires procura meios mais fáceis de arranjar a vida e acaba ingressando na política. Ao mesmo tempo, escreve uma novela histórica sobre seus heróicos antepassados, tendo por base um fado cantado por Videirinha e um poema épico escrito por um de seus tios. À medida que a narrativa transcorre, Ramires vai incorporando a honra e a dignidade de seus ancestrais. Empreende uma viagem à África e, depois de reconstruir suas finanças, retorna a Portugal. Sobressaem como personagens André Cavaleiro, homem frívolo e indigno, inimigo de Ramires e ex-noivo de Gracinha Ramires, irmã de Gonçalo. Depois de vê-la casada com o inocente Barolo, o inescrupuloso Cavaleiro tenta seduzir a moça. II – Transfere a narrativa para o passado, tendo como narrador o personagem principal da primeira parte. No século XII viveu o velho Tructesindo Mendes Ramires, homem de espírito íntegro, rígido e audaz que procura vingar seu filho Lourenço, que ele viu morrer do alto de sua torre, em uma emboscada armada por Lopo de Baião, antigo noivo de sua filha e traidor não somente da família Ramires como do rei D. Sancho I.

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GIL VICENTE - A FARSA DE INÊS PEREIRA

Resumo:
"Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube"

A Farsa de Inês Pereira é considerada a mais complexa peça de Gil Vicente. Ao apresentá-la, o teatrólogo português diz: "A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem:

Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube.

E sobre este motivo se fez esta farsa."

A obra pode ser dividida em cinco partes: a primeira é um retrato da rotina na qual se insere a protagonista; a segunda reflete a situação da mulher na sociedade da época, cujos registros são dados pela mãe de Inês, pela própria Inês e por Lianor Vaz; a terceira mostra o comércio casamenteiro, representado pelos judeus comerciantes e pelo arranjo matrimonial-mercantil de Inês com Brás da Mata; a quarta considera o casamento, o despertar para a realidade, contrapondo-a ao sonho que embalava as fantasias da protagonista e, finalmente, a quinta parte reflete a realidade brutal da qual Inês, experiente e vivida, procura tirar proveito próprio. A peça apresenta uma situação concreta, com uma personagem bem delineada psicologicamente e um fio condutor melhor configurado que as produções anteriores de Gil Vicente.

O enredo é simples: uma jovem sonhadora procura, por meio de um casamento com homem ioavisado que saiba tanger violala, fugir à rotina doméstica. Despreza a proposta de Pero Marques, filho de um camponês rico, homem tolo e ingênuo, e aceita se casar com Brás da Mata, escudeiro pelintra e pobretão. No entanto, os sonhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e explorando-a. Brás da Mata vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma consciência da realidade e aceita se casar com Pero Marques, seu primeiro pretendente. Depressa também a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa termina com o marido (cantado por ela como cuco, gamo e cervo, tradicionalmente concebidos como símbolos do homem traído) levando-a às costas (asno que me carregue) até a gruta em que vive o ermitão, para um encontro nada ingênuo.

A temática da peça está profundamente ligada à realidade vivida pela sociedade portuguesa da época de Gil Vicente: o desejo de ascensão social da pequena burguesia, que vê no casamento numa forma de consegui-la, o oportunismo, o desprezo pela vida camponesa e o prestígio das maneiras cortesãs, a ignorância do rústico, embora rico camponês e sua ingenuidade, a falta de escrúpulos (núcleo da peça). O desenvolvimento do capitalismo reforçou o poder do monarca e provocou a decadência da nobreza feudal. A riqueza vinda do comércio ultramarino tendia a ser grande base do prestígio social. A aristocracia dependia dessa riqueza e procurou diminuir sua importância desprezando-a e valorizando a origem de sangue, a educação, a fineza, as boas maneiras, a honra e a coragem, enfim os ideais cavaleirescos. E como a nobreza mesmo decadente, ainda conservava grande prestígio social, acabou por impor o estereótipo do cavaleiro como modelo a que deviam aspirar todos aqueles que queriam pertencer à classe superior. A burguesia (comércio e finanças) procurou imitar esse figurino com desejo de ascensão social. Passaram então a imitar os nobres sonhando subir na escala social, mas isso tornou-se cômico e ridículo. É mais ou menos o que acontece em Inês Pereira. Inês, jovem cansada de trabalhar, quer casar. Lianor Vaz lhe arranja um noivo, Pêro Marques, que ela recusa por ser falastrão (quer um marido discreto, mesmo que pobre). Então Latão e Vidal, dois judeus casamenteiros, lhe arranjam o escudeiro Brás da Mata, com quem se casa. Brás é caloteiro e nunca paga seu moço, Fernando. Logo após o casamento Brás vai para o Norte da África tornar-se cavaleiro, mas é morto por um pastor mouro ao fugir da batalha. Livre deste casamento Inês se casa com Pêro Marques

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A Estrela da Manhã



Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda a parte Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa?

Eu quero a estrela da manhã Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos

Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples Que tu desfalecerás Procurem por toda parte Pura ou degradada até a última baixeza Eu quero a estrela da manhã.

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O GRARANI


Na primeira metade do século XVII, Portugal ainda dependia politicamente da Espanha, fato que, se por um lado exasperava os sentimentos patrióticos de um frei Antão, como mostrou Gonçalves Dias, por outro lado a ele se acomodavam os conservadoristas e os portugueses de pouco brio. D. Antônio de Mariz, fidalgo dos mais insignes da nobreza de Portugal, leva adiante no Brasil uma colonização dentro mais rigoroso espírito de obediência à sua pátria. Representa, com sua casa-forte, elevada na Serra dos Órgãos, um baluarte na Colônia, a desafiar o poderio espanhol. Sua casa-forte, às margens do Pequequer, afluente do Paraíba, é abrigo de ilustres portugueses, afinados no mesmo espírito patriótico e colonizador, mas acolhe inicialmente, com ingênua cordialidade, bandos de mercenários, homens sedentos de ouro e prata, como o aventureiro Loredano, ex-padre que assassinara um homem desarmado, a troco do mapa das famosas minas de prata. Dentro da respeitável casa de D. Antônio de Mariz, Loredano vai pacientemente urdindo seu plano de destruição de toda a família e dos agregados.
Em seus planos, contudo, está o rapto da bela Cecília, filha de D. Antônio, mas que é constantemente vigiada por um índio forte e corajoso, Peri, que em recompensa por tê-la salvo certa vez de uma avalancha de pedras, recebeu a mais alta gratidão de D. Antônio e mesmo o afeto espontâneo da moça, que o trata como a um irmão. A narrativa inicia seus momentos épicos logo após o incidente em que Diogo, filho de D. Antônio, inadvertidamente, mata uma indiazinha aimoré, durante uma caçada. Indignados, os aimorés procuram vingança: surpreendidos por Peri, enquanto espreitavam o banho de Ceci, para logo após assassiná-la, dois aimorés caem transpassados por certeiras flechas; o fato é relatado à tribo aimoré por uma índia que conseguira ver o ocorrido.
A luta que se irá travar não diminui a ambição de Loredano, que continua a tramar a destruição de todos os que não o acompanhem. Pela bravura demonstrada do homem português, têm importância ainda dois personagens: Álvaro, jovem enamorado de Ceci e não retribuído nesse amor, senão numa fraterna simpatia; Aires Gomes, espécie de comandante de armas, leal defensor da casa de D. Antônio. Durante todos os momentos da luta, Peri, vigilante, não descura dos passos de Loredano, frustrando todas suas tentativas de traição ou de rapto de Ceci. Muito mais numerosos, os aimorés vão ganhando a luta passo a passo.
Num momento, dos mais heróicos por sinal, Peri, conhecendo que estavam quase perdidos, tenta uma solução tipicamente indígena: tomando veneno, pois sabe que os aimorés são antropófagos, desce a montanha e vai lutar "in loco" contra os aimorés: sabe que, morrendo, seria sua carne devorada pelos antropófagos e aí estaria a salvação da casa de D. Antônio: eles morreriam, pois seu organismo já estaria de todo envenenado. Depois de encarniçada luta, onde morreram muitos inimigos, Peri é subjugado e, já sem forças, espera, armado, o sacrifício que lhe irão impingir. Álvaro (a esta altura enamorado de Isabel, irmã adotiva de Cecília) consegue heroicamente salvar Peri. Peri volta e diz a Ceci que havia tomado veneno. Ante o desespero da moça com essa revelação, Peri volta à floresta em busca de um antídoto, espécie de erva que neutraliza o poder letal do veneno. De volta, traz o cadáver de Álvaro morto em combate com os aimorés.
Dá-se então o momento trágico da narrativa: Isabel, inconformada com a desgraça ocorrida ao amado, suicida-se sobre seu corpo. Loredano continua agindo. Crendo-se completamente seguro, trama agora a morte de D. Antônio e parte para a ação. Quando menos supõe, é preso e condenado a morrer na fogueira, como traidor. O cerco dos selvagens é cada vez maior. Peri, a pedido do pai de Cecília, se faz cristão, única maneira possível para que D. Antônio concordasse, na fuga dos dois, os únicos que se poderiam salvar. Descendo por uma corda através do abismo, carregando Cecília entorpecida pelo vinho que o pai lhe dera para que dormisse, Peri, consegue afinal chegar ao rio Paquequer. Numa frágil canoa, vai descendo rio abaixo, até que ouve o grande estampido provocado por D. Antônio, que, vendo entrarem os aimorés em sua fortaleza, ateia fogo aos barris de pólvora, destruindo índios e portugueses.
Testemunhas únicas do ocorrido, Peri e Ceci caminham agora por uma natureza revolta em águas, enfrentando a fúria dos elementos da tempestade. Cecília acorda e Peri lhe relata o sucedido. Transtornada, a moça se vê sozinha no mundo. Prefere não mais voltar ao Rio de Janeiro, para onde iria. Prefere ficar com Peri, morando nas selvas. A tempestade faz as águas subirem ainda mais. Por segurança, Peri sobe ao alto de uma palmeira, protegendo fielmente a moça. Como as águas fossem subindo perigosamente, Peri, com força descomunal, arranca a palmeira do solo, improvisando uma canoa. O romance termina com a palmeira perdendo-se no horizonte, não sem antes Alencar ter sugerido, nas últimas linhas do romance, uma bela união amorosa, semente de onde brotaria mais tarde a raça brasileira...